Entre 2020 e maio de 2025, o país gastou cerca de 12,026 mil milhões de dólares norte-americanos (aproximadamente 10,967 biliões de kwanzas) na importação de 58 produtos classificados como matérias-primas, segundo cálculos do jornal Valor Económico , com base em dados da Administração Geral Tributária (AGT). Esse valor é superior ao investido nos setores de educação e saúde no mesmo período, que somaram 9,335 mil milhões de dólares (8,513 biliões de kwanzas) , revelando um desequilíbrio de 2,690 mil milhões de dólares .
Durante esses quatro anos e cinco meses, o país trouxe do estrangeiro 12,751 milhões de toneladas de produtos diversos. Entre os principais itens importados estão: grão de trigo (1,608 mil milhões de dólares ), carne de frango (1,657 mil milhões de dólares ), medicamentos (1,540 mil milhões de dólares ) e arroz (1,494 mil milhões de dólares ).
Curiosamente, alguns produtos cuja produção local é considerada suficiente também aparecem na lista das importações, casos de ovos, mandioca, fuba de bombó e água de mesa. Ainda dentro do Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações (Prodesi), foram comprados artigos como fraldas descartáveis, cervejas, refrigerantes e detergentes.
Prodesi: promessas não cumpridas
Lançado em 2018 com o objetivo de impulsionar o setor não petrolífero e diversificar a economia nacional, o Prodesi tem dado sinais claros de insucesso. No período analisado, as exportações angolanas renderam apenas 529,080 milhões de dólares , provenientes da venda de 3,237 milhões de toneladas de produtos.
Entre os ítens mais exportados destacam-se embalagens de vidro (73,869 milhões de dólares ), clínquer (55,936 milhões de dólares ) e cerveja (33,380 milhões de dólares ). Esses valores representam uma receita 23 vezes menor do que o montante gasto nas importações, evidenciando o distanciamento entre as metas traçadas e a realidade económica do país.
Falta de capacidade institucional e planejamento estratégico
Para o engenheiro agrónomo Fernando Pacheco, o fracasso do programa está ligado à falta de capacidade institucional e empresarial , além da escassez de recursos financeiros. Em declarações ao Valor Económico , Pacheco recordou que já alertava sobre as fragilidades do Prodesi desde o seu lançamento, em 2018.
“Durante anos, quando tínhamos mais recursos, o país não investiu na resolução desses problemas. Deveríamos ter apostado nas instituições, nas empresas, nos recursos humanos e nas infraestruturas para reduzir a dependência de importações”, afirmou.
Pacheco apontou ainda a ausência de visão estratégica e de planejamento adequado como outro fator crítico. “Em Angola, fazemos as coisas aos bocados. Hoje é o arroz, amanhã o feijão, depois o planagrão. Assim não funciona. É preciso uma visão clara e um plano estruturado”, defendeu.
O especialista sugeriu que o Prodesi seja complementado com outras iniciativas, nomeadamente o fortalecimento do Instituto Nacional de Apoio às Pequenas e Médias Empresas (Inapem), que deveria dispor de mais recursos humanos e financeiros para apoiar o crescimento das empresas locais.
Investir mesmo com poucos recursos
Apesar dos desafios orçamentários actuais, Pacheco reforçou que os recursos disponíveis devem ser direcionados para criar condições que incentivem a produção nacional. “Mesmo com pouco dinheiro, é fundamental investir na melhoria das condições de produção para que possamos, de facto, diversificar a economia e reduzir as importações”, concluiu.
Um caminho difícil, mas possível
O elevado volume de importações, conjugado com o fraco desempenho das exportações, levanta dúvidas sobre a sustentabilidade económica de Angola e a eficácia das políticas públicas voltadas para a diversificação económica.
Para que o país avance rumo à autossuficiência e competitividade, será necessário rever estratégias, investir em infraestrutura produtiva e fortalecer o tecido empresarial nacional. Só assim será possível transformar as promessas de diversificação económica numa realidade palpável para todos os angolanos.
Fonte: Valor Económico