Uma recente alteração legislativa aprovada pela Assembleia Nacional abriu caminho para que Manuel Pereira da Silva “Manico”, atual presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), possa concorrer ao cargo de presidente do Tribunal Supremo de Angola, caso seja efetivamente nomeado juiz-conselheiro. A mudança, introduzida pela Rectificação n.º 15/25, de 4 de setembro, flexibilizou os requisitos anteriormente exigidos para a candidatura ao mais alto cargo do Poder Judicial angolano.

A nova redação do artigo 19.º da Lei n.º 2/22, de 17 de março, elimina a exigência de que o candidato tenha exercido, por pelo menos cinco anos, o cargo de juiz-conselheiro e tenha sido presidente de uma das câmaras do Tribunal Supremo. Com isso, qualquer juiz-conselheiro em exercício, inclusive os recém-nomeados passa a ter igualdade de condições para disputar a presidência da corte.

Um novo cenário jurídico

Segundo o professor catedrático Raul Araújo, da Universidade Agostinho Neto (UAN), a alteração legislativa representa um retorno ao modelo anterior, vigente na Lei Orgânica n.º 13/11, de 2011. “O legislador optou por ampliar o leque de candidatos, reforçando o princípio da igualdade entre magistrados”, explicou. Araújo ressaltou ainda que, embora a mudança possa gerar controvérsias, ela está amparada constitucionalmente, já que a Assembleia Nacional detém competência exclusiva para legislar sobre a organização dos tribunais e o estatuto dos magistrados judiciais (artigo 164.º, alínea h, da Constituição da República de Angola).

O jurista Frederico Batalha corroborou a análise, destacando que os procedimentos para eleição do presidente do Tribunal Supremo foram “aligeirados”. “Agora, basta ser juiz-conselheiro do órgão, independentemente do tempo de exercício ou de ter presidido alguma câmara”, afirmou.

Polêmica em torno de “Manico”

A possibilidade de Manuel Pereira da Silva, mais conhecido como “Manico”, concorrer à presidência do Tribunal Supremo gerou reações divergentes no meio jurídico. Recentemente reconduzido como presidente da CNE, ele foi um dos oito aprovados no último concurso curricular para juiz-conselheiro — ainda não homologado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ).

Para Batalha, há reservas éticas em relação à sua eventual candidatura.

“Não é de boa ética que alguém em funções na CNE, órgão de Estado com mandato político-administrativo, aspire simultaneamente à presidência do Poder Judicial e do próprio CSMJ”, criticou, sugerindo que tal movimento poderia comprometer a independência institucional.

Já o jurista Carlos Cabaça foi mais enfático:

“Manico não pode almejar a presidência do Tribunal Supremo enquanto estiver em funções na CNE. Há incompatibilidade funcional clara, além da ausência de requisitos formais, como o exercício contínuo da magistratura.”

O vácuo deixado por Joel Leonardo

A discussão ganhou urgência após a renúncia de Joel Leonardo, ex-presidente do Tribunal Supremo e do CSMJ, aceita pelo Presidente da República, João Lourenço, no início de outubro. Leonardo vinha sendo alvo de críticas por supostos atropelos às normas processuais e à independência do sistema judicial.

Com a saída de Leonardo, o processo de escolha do novo presidente do Tribunal Supremo deve ser acelerado, mas só após a homologação oficial do concurso que nomeou os novos juízes-conselheiros. Caso o concurso seja anulado, como alguns juristas temem, a corrida à presidência poderá ser adiada ou redefinida.

Implicações para o Estado de Direito em Angola

A mudança na lei e a possível entrada de “Manico” na disputa pela presidência do Tribunal Supremo colocam em xeque não apenas questões técnicas, mas também princípios fundamentais do Estado de Direito, como a separação de poderes, a independência judicial e a transparência nas nomeações de altos cargos do Judiciário.

Enquanto isso, a sociedade civil, a comunidade jurídica e os observadores internacionais aguardam com atenção os próximos passos do Conselho Superior da Magistratura Judicial e da Assembleia Nacional, cujas decisões definirão o rumo do Poder Judicial angolano nos próximos anos.

Fonte: Novo Jornal

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