O Cofre Geral da Justiça (CGJ) enfrenta uma situação financeira “preocupante”, com um défice orçamental de 2,9 mil milhões de kwanzas em 2024, um agravamento de 1.393% face aos 183,5 milhões registados no ano anterior. O auditor externo Inspira Conta e o conselho fiscal alertam para irregularidades financeiras, incluindo pagamentos duplicados, falhas no controlo interno e derrapagens em despesas com viagens, serviços de limpeza e segurança, num contexto de receitas muito abaixo do previsto.
Défice Orçamental e Baixa Execução de Receitas
De acordo com o relatório do auditor externo, o CGJ registou uma arrecadação de receitas de apenas 6 mil milhões de kwanzas em 2024, contra os 44,5 mil milhões previstos, o que representa uma execução de apenas 14%. Esta baixa performance, sem justificativa clara, resultou numa “preocupante falta de equilíbrio financeiro que requer atenção imediata”. O auditor destaca que 86% das receitas orçamentadas não se materializaram, com o organismo a depender exclusivamente de recursos próprios, sem qualquer entrada dos Recursos Ordinários do Tesouro.
Do lado das despesas, foram executados cerca de 9 mil milhões de kwanzas, face aos 19,5 mil milhões inscritos, equivalendo a 46% de execução. Ainda assim, o desequilíbrio entre receitas e despesas agravou o défice, expondo riscos para a sustentabilidade da instituição responsável pela melhoria das condições de trabalho nos serviços de justiça angolana.
Irregularidades Detectadas e Falhas no SIGFE
O parecer do auditor, assinado por Rufino Domingos Valentim, identifica várias inconformidades, incluindo receitas processadas fora do Sistema Integrado de Gestão Financeira do Estado (SIGFE), o que compromete a transparência e eficiência na gestão de recursos públicos em Angola. Foram detectados pagamentos duplicados, como complementos remuneratórios a funcionários da Procuradoria-Geral da República (PGR), e limitações nos procedimentos de controlo e reconciliação de receitas no valor de 1,2 mil milhões de kwanzas – 20% do total arrecadado.
Além disso, o relatório aponta derrapagens significativas em despesas: os bilhetes de passagem excederam o orçamentado em 2.614%, totalizando 252,6 milhões de kwanzas; os serviços de limpeza e saneamento superaram em 552%, com 920,7 milhões acima do previsto. O conselho fiscal reforça estas preocupações, sublinhando que certos contratos deveriam ter sido analisados pelo Tribunal de Contas, alertando para potenciais desvios e riscos na integridade das demonstrações financeiras.
O auditor também critica a ausência de inventários actualizados de activos fixos, impossibilitando a verificação de existência física, titularidade e depreciação, o que agrava as falhas no controlo interno da justiça angolana.
Atribuições do CGJ e Fontes de Receitas
Superintendido em 2024 pelo presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, e pelo Procurador-Geral da República, Hélder Pitta Grós, o CGJ foi criado pelo Decreto Presidencial 324/19, de 7 de Novembro, para financiar projectos de modernização da justiça em Angola. As suas atribuições incluem a gestão de bens apreendidos em processos criminais, a execução de programas de investimentos em infra-estruturas judiciais e o pagamento de complementos remuneratórios a funcionários da PGR e tribunais.
As receitas provêm de 30% do Imposto de Justiça e emolumentos dos Registos e Notariado, totalidade das receitas dos Serviços de Identificação Civil e Criminal, cauções prescritas ao Estado, entre outras fontes. No entanto, a baixa capacidade de arrecadação tem comprometido estas missões.
Recomendações para Corrigir Inconformidades
Para inverter esta situação, o auditor recomenda medidas prioritárias, como o reforço dos controlos internos para evitar pagamentos duplicados, a resolução da indisponibilidade do SIGFE na geração de comparticipações emolumentares e o controlo rigoroso de receitas externas ao sistema. Estas acções visam restaurar a transparência e eficiência na gestão financeira do CGJ, essencial para o desenvolvimento da justiça em Angola.
Este caso destaca desafios na administração pública angolana, com implicações para a confiança no sistema judicial lusófono. As autoridades ainda não comentaram o relatório.
Fonte: Jornal Expansão