Um antigo conflito de liderança dentro da Igreja do Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo, mais conhecida como “Tocoista”, voltou a ganhar contornos jurídicos e institucionais após o Bispo Afonso Nunes ser acusado de desobedecer um acórdão do Tribunal Supremo (TS), que reconhece oficialmente os chamados “12 Mais Velhos” como legítimos representantes da igreja.
O clima entre as duas facções permanece tenso, colocando fiéis em estado de incerteza sobre quem detém, de facto, a autoridade espiritual e administrativa sobre uma das mais antigas denominações evangélicas de origem angolana.
Em causa está o acórdão n.º 458/16, emitido pelo Tribunal Supremo, que reconhece aos “12 Mais Velhos” a legitimidade para representar a igreja perante entidades públicas e privadas. Apesar disso, Afonso Nunes continua a exercer liderança pública, realizando cultos, nomeando pastores e assumindo-se como “Pai Mayamona” — título simbólico ligado à sucessão espiritual de Simão Gonçalves Toco, fundador da fé tocoísta.
Pascoal Luvualo, secretário-geral da ala dos “12 Mais Velhos”, denuncia o que classifica como “desrespeito sistemático às leis do país”.
“O Ministério da Justiça deve mostrar, de verdade, que é uma instituição séria e que faz cumprir as leis. A violação dos acórdãos coloca em prova a credibilidade dos nossos tribunais. Não há seriedade quando decisões judiciais são ignoradas com tanta facilidade”, afirmou Luvualo ao NJ Online.
Segundo ele, Afonso Nunes foi inicialmente acolhido pela direção histórica da igreja em 2000 com o propósito de reunificar os ramos divididos. No entanto, logo no mesmo ano, teria realizado um congresso onde alterou a insígnia e transferiu a sede da igreja — mudanças que, segundo os “12 Mais Velhos”, não foram consensuais nem respeitaram os estatutos tradicionais.
“Ele introduz coisas erradas e é um mentiroso compulsivo. Começou a desvirtuar os princípios da igreja desde o início. E ainda hoje força uma narrativa que já foi julgada pelos tribunais”, acrescentou Pascoal Luvualo.
Os “12 Mais Velhos” afirmam ter sido nomeados diretamente por Simão Toco, pouco antes da sua prisão, em 1949, como sucessores legítimos. Para eles, qualquer tentativa de reescrever essa história representa uma usurpação espiritual e institucional.
Desobediência pode configurar crime
A questão ultrapassa o campo religioso e entra no domínio penal. O jurista Carlos Cabaça afirma que o não cumprimento de uma decisão judicial transitada em julgado constitui crime de desobediência, previsto no Código Penal angolano.
“Toda decisão do Tribunal Supremo é obrigatória. Quando um cidadão se recusa a cumpri-la, está a cometer um delito. Os vencedores do processo devem informar o tribunal sobre o incumprimento, para que medidas coercivas sejam tomadas.”
Já o advogado Abel Cacunha vai além: alerta que, em último caso, o TS pode ordenar o encerramento das atividades da igreja e até determinar o bloqueio do acesso ao templo por força policial, caso haja persistência na desobediência.
“As instituições judiciais têm o dever de fazer cumprir a lei. Se necessário, podem usar o poder coercivo do Estado. Ninguém está acima da Constituição.”
Silêncio da direção de Afonso Nunes
Contactada pela redação do NJ Online, Rosalina Sebastião, secretária de Afonso Nunes, recusou prestar declarações.
“Este assunto já foi abordado em vários momentos. O bispo não aceitaria pronunciar-se outra vez sobre o mesmo tema. A igreja tem um líder, e não vamos responder a insultos ou ataques de quem quer que seja.”
Apesar do silêncio institucional, Afonso Nunes já se manifestou publicamente em outras ocasiões. Em maio de 2021, afirmou que sua liderança vem de Deus, não de decisões humanas:
“Deus ungiu alguém por vontade d’Ele, não por escolha humana. Este é o meu papel.”
Raízes do conflito
A crise de sucessão remonta à morte de Simão Gonçalves Toco, em 1984. Desde então, diferentes grupos disputam a herança espiritual e administrativa. Em 1992, durante o processo de legalização de igrejas, o Estado reconheceu três entidades distintas: Direcção Central, Os Doze Mais Velhos e 16 Classes. Contudo, novas ramificações surgiram ao longo dos anos, cada qual alegando autenticidade.
Hoje, o caso transcende a teologia: envolve direito, poder institucional e a relação entre Estado e religião num país onde a liberdade religiosa é garantida pela Constituição, mas também regulamentada por lei.
Chamado à calma e à justiça
Pascoal Luvualo pede calma aos fiéis, lembrando que a verdade, em tempo devido, será restabelecida.
“Esperamos que o governo faça cumprir as leis. Que as decisões do tribunal sejam respeitadas. E que Afonso Nunes prove, de forma clara, que é realmente o ‘Pai Mayamona’.”
Enquanto isso, milhares de tocoístas seguem divididos — entre fé, tradição e a sombra de uma decisão judicial ignorada.
Fonte: Novo Jornal