A responsável do Departamento de Inteligência Inspectiva, Transparência e Combate à Corrupção da Inspecção Geral da Administração do Estado (IGAE), Angélica Cristóvão, revelou esta segunda-feira, 9 de dezembro, em Luanda, que as ações de certificação e auditoria da dívida pública evitaram, só este ano, o desvio de mais de seis mil milhões de kwanzas e sete milhões de dólares dos cofres do Estado.
Falando durante uma mesa redonda alusiva ao Dia Internacional Contra a Corrupção, dedicada ao tema “Deontologia profissional e a prevenção de corrupção”, Angélica Cristóvão destacou que, em 2023, foram concluídos 124 processos de auditoria.
Os valores poupados dizem respeito a dívidas classificadas como inexistentes, fruto de irregularidades detetadas nos processos.
Apesar dos números apresentados pela IGAE, a realidade continua a ser dramática para vários empresários angolanos, sobretudo os que prestam serviços ao Estado.
Um empresário do sector da segurança privada e limpeza, que pediu para não ser identificado, denunciou a paralisia dos pagamentos e descreveu o cenário como insustentável.
“As empresas não receberam nenhum pagamento. O Ministério das Finanças (MINFIN) não homologou as ordens de saque desde maio até dezembro. São oito meses sem pagamentos, e sinceramente estamos aborrecidos.
Os trabalhadores estão há oito meses sem salários, principalmente nós, que temos empresas de segurança privada e limpeza, com o maior número de pessoal contratado”, afirmou.
O empresário criticou o Governo por dar prioridade aos salários da função pública, ignorando as empresas privadas que dependem desses pagamentos para funcionar.
“Os trabalhadores das empresas privadas também comem e têm famílias para sustentar. O Presidente João Lourenço está a trabalhar muito mal. As empresas deles estão a ser pagas, nós sabemos disso”, acusou.
O empresário fez ainda um apelo urgente: “Pedimos ajuda dos deputados da oposição para interceder por nós.”
Máfia no Ministério das Finanças
O anúncio da IGAE surge num momento de crescentes críticas ao Ministério das Finanças, liderado por Vera Esperança dos Santos Daves de Sousa. A ministra tem sido alvo de acusações de conivência com esquemas ilícitos, alegadamente liderados por altos funcionários do seu pelouro.
Vários empresários denunciam que, para desbloquear pagamentos relativos a dívidas públicas, são frequentemente extorquidos e obrigados a pagar comissões entre 10% e 20% do valor devido.
Estas alegações levantam sérias questões sobre a integridade dos processos de pagamento, alimentando um sistema que muitos descrevem como uma “máfia da dívida pública”.
A situação tem consequências devastadoras para as empresas angolanas, que, após prestarem serviços ao Estado, acabam frequentemente em falência, incapazes de suportar os atrasos e as exigências financeiras impostas por intermediários.
Evitar abusos
Perante a gravidade das denúncias, Angélica Cristóvão reconheceu que a burocracia excessiva nos processos de certificação das dívidas públicas tem contribuído para o problema.
“Existem dívidas contraídas há mais de 10 anos, pelo que há necessidade de desburocratizar os procedimentos, salvaguardando as legítimas expectativas das instituições e cidadãos”, declarou.
A responsável explicou ainda que o processo de certificação da dívida é complexo e envolve várias etapas. Inicialmente, as Unidades Orçamentais (Ministérios ou Governos Provinciais) realizam a conciliação de contas com os credores e inserem os dados no sistema.
Em seguida, o Ministério das Finanças analisa e remete os processos à IGAE, que procede à auditoria final e devolve os resultados ao Ministério, para a programação dos pagamentos.
O inspector-geral da IGAE, João Pinto Manuel Francisco, sublinhou que o Estado angolano tem adotado um conjunto de medidas legislativas e operacionais para combater práticas ilícitas e garantir que os recursos desviados possam reverter para o Estado.
“Devemos continuar a educar, prevenir e alertar para que estas práticas não comprometam o interesse público nem a confiança nas instituições”, defendeu o responsável, apelando ao envolvimento de toda a sociedade no combate à corrupção.
Apesar dos esforços anunciados, a persistência de irregularidades e denúncias levanta questões sobre a eficácia das medidas em curso e a transparência dos processos de pagamento da dívida pública. Imparcial Press