Em meio à crise económica e às dificuldades financeiras em Angola, muitos cidadãos recorrem à kixikila, uma prática tradicional de poupança informal, para contornar a burocracia e os altos juros dos bancos. Essa estratégia, profundamente enraizada nos mercados, serviços e no seio familiar, permite adquirir bens que o salário não cobre, como terrenos, casas ou até mesmo iniciar pequenos negócios.
O que é a Kixikila?
A kixikila, termo derivado de línguas nacionais como o kimbundo e o kikongo, é um acordo informal entre duas ou mais pessoas que poupam um valor pré-definido, entregando o montante total a um dos membros em rodízio, conforme uma escala de prazos. No meio rural, a prática toma forma de interajuda, com grupos trabalhando nas lavras de um membro em dias específicos. Já nas cidades, como Luanda, funciona como um mecanismo de poupança para alcançar objetivos maiores.
Funcionamento e Impacto
Cecília Canguia, vendedora no mercado do Prenda, explica que o valor da kixikila varia conforme o poder financeiro do grupo e o objetivo. No seu grupo de 13 pessoas, cada membro contribui 5.000 kwanzas por dia, recebendo 390.000 kwanzas no final de 13 semanas. A “mãe” da kixikila, responsável por gerir os fundos, recebe 1.000 kwanzas de recompensa por beneficiário, mas deve cobrir falhas de pagamento, recuperando depois.
“É com o dinheiro da kixikila que consigo alavancar o negócio quando está em queda, além de comprar móveis ou remodelar a casa”, afirma Cecília.
Adriano Ungulo, jovem do Huambo radicado em Luanda, conseguiu comprar uma motorizada e uma vaca com a kixikila, mas destaca a necessidade de responsabilidade para honrar os compromissos. Já Fidel Pedro, que adquiriu um terreno e construiu uma casa, lembra que a prática permitiu a colegas comprar carros e realizar casamentos, algo impensável com seus salários.
Riscos da Informalidade
Por ser informal, a kixikila está sujeita a riscos. Casos de “mães” que fogem com o dinheiro são frequentes. Cecília relata que Kiala, vendedor no mercado do Prenda, desapareceu com os fundos de um grupo após ganhar a confiança dos associados. Outros riscos incluem assaltos à gestora ou desistências de membros, o que pode desestabilizar o grupo.
O advogado Frederico Pedrous alerta para a ilegalidade da prática por falta de contratos formais, enquanto o economista Bernardo Silva vê a kixikila como uma resposta à exclusão do sistema financeiro formal, que impõe burocracia e custos elevados aos mais pobres.
“A kixikila é uma relação de crédito informal baseada na confiança, geralmente entre familiares, amigos ou vizinhos”, explica Silva.
Kixikila vs. Microcrédito
Hélder Catumbela, gestor de marketing do Kixi-Crédito, esclarece que microcrédito não é kixikila. Instituições de microcrédito são reguladas pelo Banco Nacional de Angola (BNA) e oferecem empréstimos de 15.000 a 7 milhões de kwanzas, com prazos definidos, diferentemente da natureza informal da kixikila.
Uma Solução Popular
Apesar dos riscos, a kixikila continua sendo uma alternativa viável para muitos angolanos. Para Bernardo Silva, seu valor está na capacidade de viabilizar despesas do quotidiano, como eletrodomésticos, rendas ou emergências, além de funcionar como uma poupança forçada para quem não tem o hábito de economizar.
Num contexto em que o crédito bancário permanece inacessível, a kixikila destaca-se como uma prática cultural e económica que reflete a resiliência e a criatividade dos angolanos face às adversidades. NJ