Depois da inauguração a 10 de Novembro do Aeroporto Internacional Dr. António Agostinho Neto (AIAAN), pelo Presidente da República, João Lourenço, os especialistas na matéria consideram que a nova infra-estrutura pode colocar o país a um nível de desenvolvimento aeronáutico apropriado.
Domingos Gusmão Coelho (81 anos de idade) trabalhou no antigo Aeroporto Craveiro Lopes, actual 4 de Fevereiro e disse, ao Jornal de Angola, o que pensa sobre o mais recente “presente” do 48º aniversário da Independência do país. “Espera-se que o novo aeroporto possa proporcionar uma evolução tecnológica necessária, colocando o país a um nível de desenvolvimento aeronáutico apropriado e, mais em consonância com as recomendações e exigências internacionais, com a qualidade dos serviços de muitos países com os quais Angola tem ligações aéreas”, afirmou o antigo controlador de tráfego aéreo.
Segundo a análise deste. profissional já reformado, depois de ter trabalhado 24 anos, 12 no Craveiro Lopes e outros tantos no 4 de Fevereiro, tudo o que se anseia é que o Aeroporto Internacional Dr. António Agostinho Neto esteja devidamente equipado, tecnologicamente, para responder às exigências actuais do tráfego aéreo.
“Espera-se que as novas condições a implementar, se implementadas, permitam que esse desejo se consubstancia no sonho de todos”, confidenciou, antes de contar a sua experiência de mais de duas décadas no ramo.
Domingos Coelho entrou para o curso de controlador, no antigo Aeroporto Craveiro Lopes, com 21 anos de idade, e começou a trabalhar aos 22 até aos 46, sem interrupção. “No total, foram duas dúzias de anos de labor, na mesma infra-estrutura aeroportuária. Portanto, tenho várias memórias desse tempo”, disse.
Chegada do avião Concorde em 1973
Pelos longos anos de experiência profissional, o reformado controlador de tráfego aéreo, de forma resumida, destacou algumas memórias: “A aterragem do avião Concorde, em 1973, o primeiro e único até hoje voo supersónico comercial”.
“Ao chegar à placa de estacionamento do aeroporto, o avião tinha (bem) à vista, numa das janelas da cabine de pilotagem, uma bandeira do MPLA, que havia sido hasteada pela tripulação. Isto causou enorme surpresa e desagrado das autoridades coloniais portuguesas e deu mesmo origem a um incidente diplomático entre a Inglaterra e Portugal”, prosseguiu.
De acordo com Domingos Coelho, este assunto foi objecto de muitas notícias, em pleno período colonial, destacando que três jovens nacionalistas angolanos, todos do MPLA, que se encontravam a bordo tomaram o avião e impuseram à tripulação o desvio do Concorde para Ponta Negra (Congo).
“Outro caso memorável foi o desvio, para Ponta Negra (Congo), no final da década de 60, de um avião da DTA (na altura não existia a TAAG. Depois da Independência, mudou-se o nome para TAAG). O voo era de carreira regular da DTA e sairia de Luanda para Ambriz, Ambrizete, Santo António do Zaire (hoje Soyo) e Cabinda”, lembrou.
Domingos Coelho, ainda, guarda na memória “as duas pistas do actual Aeroporto 4 de Fevereiro, mas quando foi inaugurado em 1954 possuía apenas uma”. Para o antigo controlador de tráfego aéreo, só na década de 60, depois do início da luta armada pela Independência, em 1961, foi construída a segunda pista de maior comprimento.
“Lembro-me de uma tarde agitadíssima, devido a uma aterragem, na pista mais nova que, ainda, não estava totalmente construída, de um avião da Pan América, a icónica e emblemática companhia aérea dos Estados Unidos (EUA), e que hoje já não existe. Tratava-se de um voo regular dessa companhia dos EUA para Kinshasa (RDC)”, observou o reformado técnico.
Domingos Coelho recorda que este episódio aconteceu na altura em que estava apenas a fazer o curso de controlador: “A chegada a Kinshasa, o mau tempo não permitiu a aterragem do avião, um grande voo de transporte a jacto. E, assim, o mesmo veio para Luanda, onde o tempo estava bom, tendo causado uma enorme movimentação de pessoal aeronáutico, pois, na altura, ainda não havia tráfego regular com essas características, para o Aeroporto de Luanda. Creio que isto teve lugar em 1962 ou 63, talvez. Eu estava na altura a fazer o curso de controlador que, nessa tarde, foi interrompido. Não tivemos aulas. Estava todo o mundo envolvido na operação de aterragem do Pan América”.
O antigo profissional do Aeroporto 4 de Fevereiro contou, também, que este foi um acontecimento do qual teve a oportunidade de acompanhar ao vivo, “como se de uma aula prática se tratasse”. Domingos Coelho, também, destacou a chegada a Luanda da primeira delegação oficial do MPLA, proveniente de Lusaka (Zâmbia).
“Uma imensa multidão ocupou todo o Aeroporto. Milhares de pessoas. A aerogare, a placa de estacionamento, as ruas adjacentes ao aeroporto, enfim, todos os lugares estavam apinhados de gente. Enorme manifestação popular no Aeroporto Craveiro Lopes”, recordou.
Mudança de denominação
A construção do antigo Aeroporto de Luanda iniciou em 1951, ficando concluída em 1954. A infra-estrutura foi inaugurada, nesse mesmo ano, pelo então Presidente da República Portuguesa, general Craveiro Lopes, que a baptizou com o seu nome: Aeroporto Presidente Craveiro Lopes.
Após a Independência Nacional, passou a chamar-se Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, em homenagem à data do início da luta armada de libertação do país. A cerimónia de renomeação consumou-se com a visita do antigo Presidente de Angola, António Agostinho Neto.
Domingos Coelho contou que esta fase foi complexa para a sua carreira, por ter sido “um período muito difícil na área de trabalho”, já que nessa época assumiu cargos de chefia na empresa e aumentaram as responsabilidades, ainda jovem.
“Aliás, à medida que se aproximava a data da Independência, maiores se tornavam as responsabilidades e mais exigências profissionais para fazer face à difícil situação reinante”, explicou, facto que confirmou com a ascensão à Independência a 11 de Novembro de 1975.
“Com a Independência e a guerra que a antecedeu, e se seguiu, registou-se um êxodo em massa de técnicos e profissionais aeronáuticos. Teve de se continuar a fornecer os serviços, com o efectivo de pessoal, bastante inferior, a que ficámos reduzidos. Isto revelou-se bastante difícil”, admitiu.
A frequência dos voos com destino a Angola diminuiu, mas continuavam a passar pelo espaço aéreo nacional aviões procedentes dos ou com destino a países vizinhos, que necessitavam de assistência com a prestação dos serviços em terra.
“Para além disso, havia o tráfego doméstico que, apesar de diminuído, continuava a necessitar de assistência. Não foi nada fácil atingir esses objectivos. Foi uma época de sacrifício para os poucos que ficaram ao serviço. Havia turnos que se prolongavam por mais de 24 horas de serviço contínuo, mas fazíamos todos os possíveis para continuarmos com o horário 24 horas por 7 dias”, frisou.
Segundo Domingos Coelho, a solução, na época, para vencer o défice de pessoal, foi a capacitação de mais quadros, tendo em 1976 sido organizado um curso para a formação de controladores até 1977.
“Este cenário é, talvez, a memória mais forte que ficou da passagem do Craveiro Lopes a Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro. Muito difícil, penoso mesmo, às vezes, mas ao mesmo tempo gratificante para os envolvidos, pela percepção do dever cumprido”, concluiu nostálgico.
Evolução do Aeroporto 4 de Fevereiro e valências do AIAAN
Com a sua experiência de mais de duas décadas, Domingos Coelho sugeriu que, devido ao tempo do 4 de Fevereiro, já é necessário que se passe por um novo aeroporto, a fim de se evitar situações críticas.
“O Aeroporto 4 de Fevereiro parece já ter evoluído até onde era possível. Na prática, creio que, talvez, seria muito difícil criar-se a possibilidade de crescimento adicional. Ou se tal fosse feito, isso provavelmente redundaria em situações críticas muito restritivas e difíceis. É possível que a melhor solução teria sempre de passar por um novo aeroporto. Mas, essa não é a minha área profissional. Os especialistas em Engenharia de Aeroportos melhor saberão”, sublinhou.
Quanto às valências do Aeroporto Internacional Dr. António Agostinho Neto (AIAAN), o antigo controlador de Tráfego Aéreo referiu que “a nível do sector se afiguram novos sistemas de gestão, mais modernas ajudas à navegação”.
“A ser assim, isto contribuirá certamente para um melhor aproveitamento do espaço aéreo sob responsabilidade de Angola, o que, por sua vez, dará um resultado positivo no que concerne ao escoamento mais rápido e seguro do fluxo de tráfego”, perspectivou o antigo técnico aeronáutico, hoje, com 81 anos.
Capacidade para receber o maior avião comercial do mundo
O Aeroporto Internacional Dr. António Agostinho Neto, cuja construção começou em 2013, e custou 2,8 mil milhões de dólares, é capaz de receber o maior avião comercial do mundo.
A obra começou com uma parceria público-privada, desfeita em 2017, e o Estado angolano assumiu a partir de então o projecto como um investimento público, através de um financiamento da China de 1,4 mil milhões de dólares.
Localizado no município de Icolo e Bengo, a 42 quilómetros do centro da cidade de Luanda, está inserido numa área total de 75 quilómetros quadrados, projectado para acolher o maior avião comercial do mundo, de categoria F (Airbus – A380), com a capacidade de transportar cerca de 15 milhões de passageiros por ano, dos quais 10 milhões de passageiros internacionais e os restantes domésticos.
Com duas pistas paralelas, placa de estacionamento de aeronaves, placa de manutenção, placa de carga, placa de isolamento, tem projectado o manuseio de um volume de carga anual de 130 mil toneladas.
Para o segmento de carga, existem já operadores e despachantes que manifestaram interesse, nomeadamente a TAAG, DHL, FedEx, Ethiopian Cargo, Tuskish Cargo.
Relativamente ao actual Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, no centro de Luanda, o ministro dos Transportes, Ricardo de Abreu, anunciou, à imprensa, que vai continuar operacional, para voos especiais, mais curtos, executivos, actividade de transporte aéreo não comercial, podendo servir também para manutenção e formação.
Segundo Ricardo de Abreu, o custo de investimento “não é muito” para a dimensão e relevância do projecto, em termos de retorno para a economia angolana.
Fonte: JA