Pouco antes de Angola assumir a presidência rotativa da União Africana, o Presidente da República, João Lourenço, em entrevista exclusiva ao grupo de imprensa e comunicação internacional Jeune Afrique, falou de um conjunto de dossiers preocupantes que há de encontrar ligados à segurança no continente. Trata-se da guerra no Sudão, do conflito em Cabo Delgado(Moçambique), além do outro tão badalado que opõe a RDC ao Ruanda.

Durante a entrevista, que aqui reproduzimos, João Lourenço apresenta a posição de Angola diante da suspensão da ajuda do Governo norte-americano a países em desenvolvimento e a visão sobre a parceria Angola-EUA para o desenvolvimento do Corredor do Lobito, no contexto da Administração Trump.

A dívida externa de Angola para com a China teve igualmente espaço na entrevista, em que também foram levantadas questões polémicas da governação de João Lourenço, como a suposta perseguição à família de José Eduardo dos Santos e a possibilidade de um terceiro mandato. O Presidente da República falou ainda da suspensão progressiva dos subsídios aos combustíveis, do programa de combate à corrupção e recuperação de activos, bem como do seu futuro quando deixar de ser Presidente de Angola.

Intervenção do PR durante a entrevista exclusiva ao Jeune Afrique

O nosso continente está a atravessar uma fase complicada, de vários conflitos: terrorismo, mudanças inconstitucionais de regimes democráticos. E gostaria de destacar outros, para além deste que acaba de citar (o conflito entre a RDC e o Ruanda), nomeadamente a guerra no Sudão e o conflito em Moçambique, em Cabo Delgado. Mas, falando especificamente deste conflito RDC-Ruanda, de facto, existe o perigo de o mesmo se generalizar para os países vizinhos.

É necessário que tudo seja feito, no sentido não apenas de evitar que isso aconteça, mas de regressarmos a um ponto, não diria bom, em que nos encontrávamos, mas que vigorou, pelo menos, um cessar-fogo. Havia negociações aqui, no quadro do chamado Processo de Luanda, a nível ministerial, aonde foram conseguidos importantes ganhos.

A RDC considera que a presença de tropas das Forças de Defesa do Ruanda em território seu é algo inaceitável. E nesse encontro de Luanda, do dia 14 de Dezembro passado, conseguiu-se o compromisso de o Ruanda abandonar ou retirar as suas forças do território do Congo Democrático.

De igual forma, o Ruanda considera que as Forças Democráticas de Libertação do Ruanda [FDRL] constituem uma ameaça à sua segurança e, a esse nível ministerial, conseguiu-se também, na mesma data, o compromisso, por parte do Governo congolês, de neutralizar as FDLR.

Eu creio que foram dois grandes ganhos que cada uma das partes conseguiu alcançar e que não deveríamos desperdiçá-los. Portanto, devia partir-se desta base, deste compromisso assumido ao nível dos ministros, para que os Chefes de Estado dos dois países assinassem o Acordo de Paz de Luanda, para pôr fim a este conflito.

Eu vou encontrar este dossier e outros, e naturalmente que continuarei a empenhar-me, embora considere que, na minha nova condição de Presidente pro tempore da União Africana, não me devo dedicar exclusivamente a um conflito.

Para ser mais claro, quero dizer que devia passar o testemunho a um outro país, a um outro Chefe de Estado, para ser o medianeiro deste conflito, de forma que o Presidente da União Africana se possa dedicar a este, mas também a outros conflitos.

Prefiro não citar nomes, porque não será uma indicação minha. Primeiro, tem que haver países e Chefes de Estado que se disponibilizem para tal. Tem que haver vontade. E a decisão será tomada a nível da União Africana e nunca por uma simples indicação minha.

O mandato que eu recebi da União Africana era para trabalhar na normalização das relações entre os dois Estados, dois países vizinhos, que devem, como regra, ter boas relações de vizinhança, de amizade, cooperação económica, preferencialmente. Este é o mandato que eu recebi. E é sobre este mandato que eu tenho vindo a trabalhar.

A nossa proposta de acordo de paz, que Angola apresentou às duas partes, assenta na necessidade de alcançarmos este desiderato. É evidente que a questão do M23 também é para ser resolvida. Só que o assunto M23 tem vindo a ser tratado no quadro de um outro processo, não do Processo de Luanda, mas no chamado Processo de Nairobi.

Nós vamos trabalhar com as instituições financeiras internacionais, nomeadamente com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Vamos trabalhar igualmente, e sobretudo, com os países do Ocidente, com os Estados Unidos da América, com a Europa, com o Japão, no sentido de conseguirmos fazer a reforma, a tão necessária reforma dessas instituições de Bretton Woods, para que passem a ter outra forma de trato dos nossos países, que ao longo dos séculos foram pilhados, foram colonizados. Portanto, precisamos de uma espécie de compensação, um trato diferenciado, para não tornar o serviço das nossas dívidas tão pesadas quanto é.

Consideramos que a África está a ser injustiçada, pelo facto de não ter presença e nem voz que seja determinante junto do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

O actual formato colocou como membros permanentes apenas os vencedores do último conflito mundial. Estou a referir-me à Segunda Guerra Mundial. São os vencedores que estão representados na condição de membros permanentes no Conselho de Segurança. Só que o mundo de hoje, quase um século depois do fim da Segunda Guerra Mundial, é um mundo completamente diferente daquele que era naquela altura.

Portanto, é preciso que outras regiões do nosso planeta estejam também representadas e, desta forma, poderem defender melhor os seus interesses. Essa é uma questão pela qual nós vamos bater.

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