A Endiama apresentou uma proposta para adquirir 85% do capital da De Beers, uma das maiores empresas diamantíferas do mundo, num negócio avaliado em cerca de 4,25 mil milhões de dólares americanos. O anúncio, feito pelo presidente do Conselho de Administração da empresa pública angolana, José Ganga Júnior, à agência Bloomberg no dia 24 de Outubro, surpreendeu o mercado e contraria o posicionamento inicial do Governo angolano sobre o processo.
A proposta coloca Angola numa posição delicada face ao Botsuana, que detém os restantes 15% da De Beers e possui direito de preferência sobre qualquer oferta relativa ao capital da empresa. O presidente botsuanês, Duma Boko, já declarou publicamente que controlar a De Beers é “uma questão de soberania económica” para o seu país, que depende fortemente da produção diamantífera.
Mudança de estratégia gera dúvidas
A proposta da Endiama representa uma mudança significativa em relação ao discurso oficial do Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás (MIREMPET). Em Setembro, o titular da pasta, Diamantino Pedro Azevedo, havia anunciado a intenção de Angola adquirir apenas uma participação minoritária na De Beers, sublinhando que o objectivo não era “controlar” a empresa.
“Angola acredita que o futuro da De Beers depende da sua continuidade como uma empresa global liderada pelo sector privado”, afirmara então Diamantino Azevedo, segundo comunicado do MIREMPET. O ministro defendia a criação de um consórcio pan-africano envolvendo Angola, Botsuana, Namíbia e África do Sul, “garantindo que nenhuma parte detenha domínio exclusivo”.
Contudo, as declarações de José Ganga Júnior à Bloomberg apontam numa direcção oposta. O gestor confirmou que Angola apresentou uma “proposta concreta e bem definida” para adquirir a totalidade da participação da Anglo American, que controla 85% da De Beers e anunciou a intenção de desinvestir da empresa diamantífera em Maio de 2024.
Desafios financeiros e operacionais
A viabilidade financeira da operação levanta interrogações. A De Beers está avaliada em cerca de 5 mil milhões de dólares americanos, mas registou prejuízos de 3,5 mil milhões de dólares nos últimos dois anos, reflexo da crise no sector diamantífero provocada pela queda dos preços internacionais.
A Endiama não parece dispor de capacidade financeira para uma aquisição desta dimensão de forma isolada. Caso o financiamento seja assumido pelo Estado angolano, o impacto seria significativo sobre a dívida pública e a liquidez nacional, num momento em que o serviço da dívida externa já consome cerca de 50% do Orçamento Geral do Estado em 2024.
José Ganga Júnior não revelou detalhes sobre o financiamento da operação, alegando questões de confidencialidade. Afirmou apenas que, após a apresentação da proposta, seguir-se-ão “acções subsequentes”.
Direito de preferência do Botsuana complica cenário
O Botsuana, enquanto accionista minoritário da De Beers, mantém o direito de preferência que lhe permite igualar qualquer proposta apresentada para a aquisição do capital da empresa. Esta condição contratual coloca o país vizinho numa posição privilegiada nas negociações e pode inviabilizar ou dificultar seriamente a pretensão angolana.
O presidente Duma Boko tem sido claro quanto à importância estratégica da De Beers para a economia botsuanesa, que enfrenta actualmente uma recessão provocada pela crise no sector dos diamantes. O país é um dos maiores produtores mundiais da gema e depende fortemente das receitas geradas pela indústria diamantífera.
Sobre a eventual parceria regional, José Ganga Júnior afirmou que “a De Beers é uma empresa tão grande” que há espaço “para vários parceiros”. O gestor da Endiama disse esperar que Angola “chegue a um entendimento” com o Botsuana, mas não confirmou se já houve contactos formais entre as partes.
Namíbia manifesta cautela
A Namíbia, outro grande produtor de diamantes da região, tem demonstrado cautela em relação ao processo. A imprensa local noticiou nas últimas semanas a necessidade de uma avaliação mais aprofundada da viabilidade da De Beers e do sector diamantífero nos próximos anos, antes de qualquer compromisso financeiro.
Esta posição reflecte as incertezas que pairam sobre o futuro da indústria, num contexto de descida prolongada dos preços internacionais dos diamantes e de mudanças nos padrões de consumo global.
Concorrência internacional pela De Beers
Angola não é o único interessado na empresa fundada em 1888. Segundo a imprensa regional e internacional, vários grupos e investidores, incluindo antigos executivos da própria De Beers, manifestaram interesse em adquirir uma participação na multinacional.
A Anglo American, cotada na Bolsa de Londres, anunciou o plano de desinvestimento na De Beers em Maio de 2024, no âmbito de uma reestruturação mais ampla, após ter sido alvo de uma tentativa de aquisição hostil por parte da mineradora BHP.
A De Beers opera actualmente em Angola, Botsuana, Namíbia, Canadá e África do Sul, mantendo uma posição de destaque no mercado global de diamantes, apesar das dificuldades financeiras recentes.
Argumentos angolanos para a aquisição
Na proposta apresentada em Setembro, o MIREMPET destacava que Angola é um dos maiores produtores mundiais de diamantes em 2024 e o único país a inaugurar uma mina de classe mundial nos últimos 15 anos, referindo-se ao projecto Luele, na Lunda-Norte.
O Governo angolano argumenta ainda que o sector diamantífero constitui um pilar estratégico da economia nacional e que o país possui experiência e capacidade técnica comprovadas na indústria.
Contudo, a mudança de estratégia – de parceiro minoritário num consórcio pan-africano para potencial controlador maioritário – levanta dúvidas sobre a coerência da abordagem angolana e sobre a coordenação entre a Endiama e o MIREMPET.
Fonte: Jornal Expansão

 
                        