Passaram-se quase doze meses desde que a Ordem dos Advogados de Angola (OAA) apresentou ao Tribunal Constitucional (TC) um pedido formal de fiscalização sucessiva da constitucionalidade da Lei do Vandalismo, e até à data, o órgão máximo de interpretação da Constituição mantém-se em completo silêncio. O impasse tem gerado preocupação crescente entre juristas, defensores dos direitos humanos e operadores do Direito, que veem na demora um sinal de morosidade processual e, em alguns casos, uma submissão do poder judicial ao executivo.
A Lei n.º 13/24, de 29 de Agosto — conhecida como Lei dos Crimes de Vandalismo de Bens e Serviços Públicos — entrou em vigor com penas severas: entre 20 e 25 anos de prisão para quem danificar infraestruturas rodoviárias, ferroviárias ou náuticas públicas. Também prevê punições de 10 a 15 anos para quem “financiar, incitar ou promover” actos de vandalismo. A OAA contesta especificamente o artigo 7.º e o n.º 2 do artigo 9.º, alegando que violam o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 2.º da Constituição da República de Angola, que consagra o Estado de Direito Democrático.
“Trata-se de uma morosidade processual inaceitável”, afirma o jurista José Rodrigues, para quem o TC tem demonstrado, reiteradamente, uma postura alinhada com os interesses do poder político. “O Tribunal não vai deixar o poder em apuros. A pretensão desta lei é clara: silenciar manifestações e criminalizar a contestação social. E o TC, ao calar-se, demite-se da sua missão constitucional de garantir a justiça.”
Rodrigues não poupa críticas à independência do órgão, argumentando que o Poder Judicial tem sido “absorvido” pelo executivo, transformando-se num instrumento de legitimação de decisões políticas, em vez de árbitro imparcial da legalidade.
Já o também jurista Carlos Cabaça classifica o silêncio do TC como uma “omissão de pronúncia” que viola diretamente o artigo 29.º da Constituição, que assegura o direito à tutela jurisdicional efectiva.
“O direito de acesso à justiça não pode ser adiado indefinidamente”, sublinha. “A fiscalização abstracta de constitucionalidade é um mecanismo essencial para garantir que as leis estejam em conformidade com a Carta Magna. Quando o TC não responde, está a falhar o Estado de Direito.”
Apesar das críticas, nem todos os especialistas partilham o mesmo diagnóstico. Frederico Batalha, outro nome de referência no meio jurídico angolano, prefere uma leitura mais cautelosa. Para ele, não há ainda razão para alarme.
“O pedido da OAA pode estar na agenda do TC. Não precisamos de qualificar o silêncio como omissão. Quando chegar a sua vez, o Tribunal se pronunciará. A OAA agiu com legitimidade e dentro do quadro constitucional. Agora, é aguardar”, diz, citando a alínea f) do n.º 2 do artigo 230.º da Constituição, que prevê a possibilidade de acções de fiscalização sucessiva.
Este não é o primeiro caso em que a OAA recorre ao TC para questionar a legalidade de normas. Em 2023, o Acórdão 845/2023 declarou inconstitucionais dispositivos do Decreto Presidencial n.º 69/21, que atribuía 10% dos activos recuperados pela Justiça a órgãos do Executivo. Na altura, a decisão foi celebrada como um sinal de autonomia do Tribunal.
Hoje, porém, o contraste é evidente. Enquanto a Lei do Vandalismo continua a ser aplicada — e a gerar temores de criminalização de actos de protesto —, o TC permanece em silêncio. Um silêncio que, para muitos, já não é apenas burocrático: é político.
Fonte: Novo Jornal