A Autoridade Reguladora da Concorrência (ARC) emitiu um alerta técnico sobre a estrutura accionista da Empresa Nacional de Bilhética Integrada (ENBI), considerando que a presença da Transporte Colectivo Urbano de Luanda (TCUL) como sócia minoritária distorce o funcionamento do mercado de transportes rodoviários em Angola.

Criada em 2021 com o objetivo de gerir o Sistema Nacional de Bilhética Integrada (SNBI) — plataforma centralizada para a comercialização e gestão de bilhetes nos transportes públicos, a ENBI tem como acionistas o Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE), com 85,2% do capital, e a TCUL, com 14,8%.

Contudo, segundo um estudo recente da ARC intitulado “Avaliação do Perfil Concorrencial de Políticas Públicas”, essa configuração accionista coloca a TCUL numa posição privilegiada, ao exercer, simultaneamente, três funções distintas na cadeia de valor:

  1. Operadora de transporte público (como concorrente direta de outras empresas);
  2. Vendedora de bilhetes dos serviços prestados por essas mesmas concorrentes;
  3. Gestora da distribuição das receitas do sistema bilhético entre todos os operadores.

Risco de “árbitro e jogador” no mercado

A ARC considera que esta acumulação de papéis configura um conflito de interesses estrutural, pois a TCUL, ao ser acionista da entidade que gere o SNBI, adquire capacidade de influenciar decisões técnicas, comerciais e financeiras que podem beneficiar indevidamente os seus próprios serviços em detrimento dos demais operadores  públicos ou privados.

Além disso, qualquer lucro futuro gerado pela ENBI (até agora inexistente, segundo fontes oficiais) seria distribuído proporcionalmente aos acionistas, incluindo a TCUL. Para a ARC, isso equivale a um auxílio estatal indireto, proibido pelas regras de concorrência, já que apenas uma operadora teria direito a dividendos provenientes de um sistema financiado com recursos públicos.

“Aqueles rendimentos são, na verdade, fundos públicos de que os demais operadores de mercado não beneficiam em igualdade de circunstâncias, constituindo uma vantagem capaz de distorcer a concorrência”, destaca o documento da ARC.

Propostas para corrigir distorções

Face aos riscos identificados, a Autoridade Reguladora da Concorrência propõe duas soluções viáveis para restabelecer a equidade no setor:

  1. Retirada total da TCUL do capital social da ENBI, com transferência das suas ações para o IGAPE, tornando a empresa 100% estatal sob gestão única e desinteressada;
  2. Reestruturação accionista inclusiva, com a entrada em igualdade de condições de todos os operadores relevantes do segmento rodoviário, públicos e privados, garantindo transparência e neutralidade na gestão do SNBI.

A segunda opção, embora mais complexa, poderia transformar a ENBI num modelo de governança partilhada, alinhado com boas práticas internacionais de gestão de sistemas de bilhética integrada.

O papel do “Giramais” e o futuro da mobilidade urbana

O SNBI é peça central do projeto “Giramais”, um programa de passes sociais destinado sobretudo a estudantes e grupos vulneráveis, com o objetivo de facilitar o acesso à mobilidade urbana em Luanda e, futuramente, noutras cidades do país. A eficácia e justiça desse programa dependem diretamente de um sistema bilhético imparcial, seguro e competitivo.

A ARC reforça que, sem correcções estruturais, o atual modelo ameaça a sustentabilidade do ecossistema de transportes, prejudica a inovação e desincentiva a entrada de novos operadores — essenciais para a modernização do setor.

Fonte: Jornal Expansão 

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