A Sonangol, gigante estatal do setor petrolífero angolano, vive nos bastidores uma crise profunda de governança, marcada por denúncias graves de corrupção, nepotismo, esquemas de desvio de combustível e influência de ex-gestores exonerados. Em uma segunda parte de uma investigação jornalística minuciosa, fontes internas cujas identidades protegemos por razões de segurança — revelam um cenário desolador na Sonangol Distribuidora, braço operacional encarregue da comercialização de derivados de petróleo em todo o país.
Enquanto a empresa enfrenta problemas operacionais crescentes incluindo postos secos, falhas logísticas e sistemas informáticos vulneráveis, o seu Presidente do Conselho de Administração (PCA), Sebastião Querido Gaspar Martins, parece mais empenhado em garantir um lugar no próximo Governo do que em sanear a instituição que dirige. Segundo interlocutores com acesso direto à estrutura da empresa, Martins teria “optado por ignorar o óbvio” e mira o cargo de Ministro dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás, atualmente ocupado por Diamantino Azevedo.
Rede de influência e “governo paralelo”
A investigação aponta que, mesmo após suas exonerações, ex-administradores como Fernando Joaquim Roberto (Finanças e Recursos Humanos) e Mateus Neto (Distribuição e Logística) continuam a exercer influência decisiva na Sonangol Distribuidora por vias informais e clandestinas. Através de escritórios privados, eles orientariam o atual Presidente do Conselho de Execução (PCE), Bernardo Vieira, que, por sua vez, repassaria instruções a diretores, chefes de departamento e técnicos.
“Estes administradores querem mostrar ao Governo que, mesmo fora da empresa, ainda mandam. Isso desrespeita não só o chefe do Executivo, mas também o próprio PCA”, denuncia uma fonte próxima à cúpula da petrolífera.
Vieira, descrito como “arquiteto de grupinhos e testas-de-ferro”, estaria no centro de uma disputa pelo controlo da rede de postos de combustível, cuja titularidade legal pertence à Sonangol, mas cuja operação é frequentemente assumida por funcionários ou familiares ligados ao esquema.
Lojas de conveniência: uma “mina de ouro” mal gerida
As chamadas lojas de conveniência, instaladas nos postos da Sonangol, teriam se tornado alvo de apropriação indevida. Segundo relatos internos, figuras como Maria Napoleão, Karina Dumba e Neusa Guimarães, atuando sob orientação da direção e do PCE, controlam os fluxos comerciais desses espaços.
A fragilidade propositada no sistema SID — plataforma de gestão de vendas — teria facilitado a manipulação de dados e o desvio de receitas. Pior: “afastaram técnicos qualificados para desfocar o negócio”, afirma um funcionário insatisfeito. Hoje, algumas dessas lojas vendem até cabazes básicos, algo que destoa do propósito original do projeto.
Também chamou a atenção o papel da empresa Luanday ECNN, que “fecha e abre a crédito”, segundo a fonte, facilitando desvios financeiros.
Desvios, protecionismo e logística em colapso
Na Direção de Logística, a situação é igualmente crítica. Após Bernardo Vieira ter transferido o Back-office da unidade UNR para a DLOG, o abastecimento em Luanda entrou em colapso. Maria Sandra João, supervisora de Luanda e protegida de Vieira, é apontada como “sem conhecimento técnico” para gerir a distribuição — mas permanece no cargo.
Já Maria Bernarda, chefe de distribuição para as províncias, estaria envolvida em grandes desvios de combustível nas Lundas e Moxico. Enquanto isso, o Centro de Atendimento da DLOG teria se transformado num “núcleo de suborno”, onde parceiros e concessionários pagam para garantir o fornecimento de combustível.
Vários funcionários do centro possuem postos contentorizados (conhecidos como “bandeira branca”), e o próprio chefe do setor é sócio de um posto na Avenida 21 de Janeiro, no Morro Bento. O atendimento só ocorre “sob orientação de Maria João”, mesmo sem conhecimento de Back-office — o que, segundo especialistas, viola princípios básicos de gestão de rede.
Outras áreas sob suspeita
Direção de Marketing: com impacto quase nulo nas vendas, é mantida por inércia. Seu diretor, com passado controverso em Malanje onde há processos por desvios de combustível, foi indicado para liderar a nova joint venture TOMSA (Total Marketing Serviços Angola).
Direção de Finanças: liderada por uma gestora nomeada por compadrio, sem domínio dos processos internos. A Direção de Planeamento, por sua vez, é comandada por cunhada de Edson dos Santos, ex-administrador na era Isabel dos Santos.
Esquema SAP: o departamento de Gestão de Clientes manipularia códigos de concessionários e fornecedores no sistema SAP, sem supervisão da DTI. O esquema remonta a Bernardo Vieira, Plínio Paquete e outros, que também teriam usado a Sonip para vender apartamentos em Kilamba e Sequele a 3.000 USD.
Direção de Aviação: descrita como “quase inoperante”, teria sido ocupada por quadros ligados à UNITA, numa alusão política controversa. Fontes relembram o episódio de 2015, quando o voo presidencial para a China e Itália foi abastecido com Jet-A1 contaminado — um risco grave à segurança do então Presidente José Eduardo dos Santos. O caso foi abafado, e o denunciante, João Domingos António, foi expulso e perseguido.
Auditoria travada e postos sob suspeita
Uma auditoria interna nas unidades UNR, UNC, UNM e UNL, bem como no sistema SAP, encontra-se sabotada. O objetivo era identificar quantos postos de combustível no país estão sob controlo de Fernando Roberto e outros ex-gestores. “É inaceitável que um funcionário da Sonangol seja concessionário da própria empresa. Isso fere os princípios de transparência e concorrência leal”, frisam as fontes.
A esposa de Roberto, concessionária do Posto Aéreo GOLF 2, é apontada como “peça-chave” nos esquemas financeiros irregulares.
Também sob escrutínio está José Sebastião Dunge, atual representante da Sonangol na joint venture com a Total e concessionário do PA Quiminha, em Catete. Sua nomeação teria sido influenciada por Filomena Rosa, com o objetivo de “proteger os negócios da família”. Dunge já responde por desvios na região nordeste, e fontes afirmam que o SIC de Malanje teria abafado o caso mediante pagamento.
Da mesma rede familiar, Tiago Caholo, sobrinho de Rosa e chefe comercial da UNC, teria recebido “orientações claras” para manter o esquema ativo.
