O governo angolano apresentou, desde março passado, uma controversa Proposta de Lei sobre a Disseminação de Informações Falsas na Internet, elaborada pelo Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social (MTTICS).

Âmbito universal da proposta

A nova legislação apresenta um âmbito de aplicação sem precedentes, arrogando-se o direito de perseguir, julgar e punir qualquer pessoa, independentemente da sua localização geográfica, que difunda informações consideradas falsas com impacto em Angola.

Segundo o artigo 2.º da proposta, as informações nem precisam ser sobre Angola ou angolanos, bastando apenas que tenham “reflexos” no país. Isto significa que cidadãos estrangeiros, como por exemplo o líder oposicionista moçambicano Venâncio Mondlane, poderiam ser indiciados e condenados em Angola por publicações nas redes sociais que o governo considere terem impacto na segurança nacional angolana.

Impacto nas plataformas digitais

A proposta de lei impõe pesadas exigências às plataformas digitais mais utilizadas no país, como Google, WhatsApp e Facebook. O artigo 10.º exige que estes fornecedores:

  • Reportem dados detalhados sobre interações com conteúdos classificados como desinformação
  • Mantenham “uma estrutura dedicada ao combate à desinformação em Angola”
  • Informem o número de funcionários designados para este efeito
  • Forneçam relatórios detalhados sobre o tráfego de utilizadores angolanos nas plataformas

As sanções previstas para o incumprimento destas exigências são severas, podendo chegar a 35 mil salários mínimos (aproximadamente 2,7 milhões de dólares) e até mesmo ao encerramento compulsivo das operações em Angola, conforme estabelece o artigo 16.º.

Penalizações para utilizadores individuais

A proposta prevê também penas rigorosas para cidadãos que disseminem informações consideradas falsas pelo governo:

  • Até cinco anos de prisão por perturbação da ordem pública
  • Até oito anos por atentar contra a honra e bom nome de figuras de autoridade
  • Até dez anos por contestar processos ou resultados eleitorais
  • Até dez anos por comprometer a “segurança nacional” (conceito não especificado na proposta)

Para entidades coletivas, como websites de informação, as multas podem estender-se por até 130 mil dias, o equivalente a 356 anos.

Críticas à proposta

Analistas apontam várias falhas conceptuais na proposta, começando pela própria definição circular de “notícia falsa” como “disseminação deliberada de informações falsas”. A proposta também é criticada por apresentar-se como defensora da democracia e dos direitos humanos, quando de facto representa um cerceamento à liberdade de expressão.

Um exemplo recente ilustra a complexidade da questão: a notícia sobre a suposta despesa de 20 milhões de dólares em bandeiras para a celebração dos 50 anos da Independência Nacional foi confirmada pelo ministro de Estado para a Coordenação Económica, José de Lima Massano, mas posteriormente desmentida pelo ministro da Administração do Território, Dionísio Fonseca. Esta situação levanta a questão: qual dos ministros estaria sujeito a sanções por disseminação de informações falsas?

Alternativas propostas

Críticos da proposta sugerem que, em vez de restringir a liberdade de expressão, o governo deveria:

  1. Focar-se na boa governação para gerar notícias positivas
  2. Garantir a pluralidade e liberdade de expressão nos órgãos de comunicação públicos
  3. Assegurar que meios como o Jornal de Angola, a Rádio Nacional de Angola e a Televisão Pública de Angola funcionem como veículos de informação isentos e não como instrumentos de propaganda governamental

A proposta de lei, que ainda será submetida à aprovação parlamentar, é vista por muitos como um sinal de receio por parte do regime face ao término do mandato presidencial e às eleições previstas para 2027. Club-k

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