A Suíça mantém bloqueados cerca de 900 milhões de dólares em contas ligadas ao empresário angolano Carlos de São Vicente, apesar da existência de uma decisão judicial em Angola que determina a reversão desses valores para o Estado. O impasse jurídico-diplomático arrasta-se há anos e, segundo o jurista Rui Verde, só poderá ser resolvido através de forte pressão política.

Em entrevista à DW África, Rui Verde explica que as decisões dos tribunais angolanos não produzem efeito automático no estrangeiro e que a Suíça exige conduzir o seu próprio processo para comprovar a origem ilícita dos fundos.

Lourenço volta a pressionar Berna

No recente discurso sobre o Estado da Nação, o Presidente João Lourenço criticou duramente a “falta de colaboração” de países que retêm valores que, segundo o Governo angolano, pertencem ao Estado. O Chefe de Estado apelou ao cumprimento das decisões judiciais angolanas e garantiu que o país já recuperou mais de 7 mil milhões de dólares no combate à corrupção.

“As sentenças dos tribunais são de cumprimento obrigatório em qualquer Estado de Direito”, afirmou Lourenço, criticando a ausência de mecanismos internacionais eficazes para a recuperação de ativos no estrangeiro.

Por que a Suíça não devolve o dinheiro?

Segundo Rui Verde, o Tribunal Penal Federal da Suíça considera que a decisão da justiça angolana não é suficiente para justificar a restituição dos fundos. “A Suíça deve ela mesma estabelecer a origem criminal desses fundos. Portanto, têm de ser as autoridades suíças a prosseguir o seu próprio inquérito, sem um calendário claro para uma eventual restituição”, explica o jurista.

Esta posição contrasta com o caso inglês, em que as autoridades britânicas devolveram automaticamente 500 milhões de dólares relacionados com José Filomeno dos Santos, sem entraves burocráticos ou judiciais.

Decisões angolanas não têm valor automático

Questionado sobre o valor jurídico das sentenças angolanas fora do país, Rui Verde é claro: “Nesta fase, os mecanismos multilaterais e os tratados não terão qualquer efeito, porque há uma decisão judicial suíça. A única coisa que pode ter efeito é a pressão política e diplomática angolana para inverter esta situação.”

O jurista recorda que Angola já utilizou essa estratégia com sucesso no passado. Durante o julgamento por corrupção de Manuel Vicente em Portugal, o Governo angolano exerceu “forte pressão diplomática e política muito pública” que levou as autoridades portuguesas a separarem os processos e enviarem o caso para Luanda.

Impasse sem prazo definido

Carlos de São Vicente, condenado em Angola por peculato e branqueamento de capitais, encontra-se preso há cerca de quatro ou cinco anos. Contudo, as autoridades suíças ainda não concluíram a sua própria investigação.

“A questão é que este processo em Angola já começou há vários anos (…) e os suíços ainda não têm uma decisão. E aqui há alguma estranheza, como é evidente, presumindo-se que se há país eficiente e com uma investigação criminal eficiente é a Suíça”, observa Rui Verde.

Pressão política como única saída

Para o jurista, a via judicial internacional está praticamente esgotada. “Não vejo que haja para Angola outra solução que não seja recorrer à pressão política e diplomática”, afirma, sublinhando que o direito internacional “é um direito imperfeito, pois não tem uma sanção se os países não quiserem”.

Rui Verde conclui que Angola enfrenta duas opções: aguardar indefinidamente por uma decisão suíça ou intensificar a pressão diplomática. “Ou temos o impasse até as autoridades suíças decidirem alguma coisa, ou João Lourenço tem de utilizar outras formulações, mas de ordem política e de forte pressão, se quiser recuperar o dinheiro.”

Fonte: Entrevista à DW África

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